segunda-feira, 16 de outubro de 2023

ASSIM TENHO SIDO – Parte 1

Permitam-me que a vós, aos meus lentores, me dê a conhecer um pouco melhor. Faço-o por dois motivos: primeiro, porque tenho-vos em elevada consideração, sem vocês não teria graça escrever; por outro lado, porque na sociedade atual, seja lá por que motivo for, a tendência vai no sentido de se deduzir em vez de se perguntar e desta forma se rebatem eventuais ideias menos conseguidas que eventualmente possam ser formuladas sobre este vosso amigo, agradecendo que se tomasse como certo e sem qualquer outro tipo de interpretações o que vos conto e em caso de dúvida cá estarei eu para responder, a única pessoa habilitada para o fazer.

Posto isto, e começando por onde se deve, pelo princípio, o nascimento, que ocorreu em Luanda, decorria o Maio de 68. Uma coincidência que me leva a fazer uma curiosa analogia, ou seja, que daí só poderia resultar um revolucionário, característica que se foi acentuando com o passar dos anos até à presente data.

Vivi em Luanda em três locais diferentes, algo que também já deixava antever o que me esperaria ao longo da vida, sempre de malas feitas, pronto para toda e qualquer mudança, voluntária ou forçada, o que realmente veio a acontecer por diversas vezes. Contudo, em África fui como se quer, rebelde, aventureiro audaz, miúdo irrequieto, uma dor de cabeça para os pais, que entra para a pré-escola já a saber ler e a escrever com alguma fluência, graças ao empenho e dedicação de mãe e pai, uns autênticos professores dentro de casa, mas que pelo caminho entre casa e a escola era capaz de fazer os mais impensáveis disparates, nomeadamente desafiando a natureza, trepando árvores, correndo atrás de animais, brincando com insetos, levantando as sais das quitandeiras que transportavam pesados cestos de fruta à cabeça, logo indefesas perante as minhas “maldades”, no fundo, um bom reguila.

Depois, de súbito, por graves problemas de saúde de um familiar, vejo-me a viver em Joanesburgo, limitado pelo regime de apartheid, portanto, sem poder fazer as minhas malandrices às nativas, dando-me para outro tipo de atrevimentos, ou seja, como residia numa zona de moradias, entretinha-me a saltar dos telhados para os bonitos e fofos relvados que as ladeavam… uma dor de cabeça para a minha mãe, lá em baixo à espera, de braços abertos, da primeira aterragem falhada.

Nessa altura, como a minha irmã mais velha era pior que eu nestas aventuras, as coisas chegavam a extremos, como enveredar pelo meio do mato à descoberta da vida selvagem, ou à primeira oportunidade de distração da nossa mãe, cidade dentro, ao ritmo do bulício. Algo que perdurou aquando do regresso a Luanda, já em período de conflito bélico, ou seja, um perigo à solta dentro de outro perigo, ora enfrentando o desconhecido por caminhos cheios de armadilhas, trilhos de brincadeiras entre disparos ocasionais, ora me escondendo nos sítios mais inimagináveis quando as armas falavam mais altos que os pássaros. Um grande desafio para me descobrirem, às vezes até adormecia nesses espaços.

Fugi duas vezes na vida, uma delas foi desse conflito para Portugal, numa de tentar salvar a pele, trazendo comigo a maqueta de paus e pedras da cidade de brincar que estava a construir, mais uma antevisão do que me esperaria no futuro, um criativo que deixou os melhores brinquedos para trás, os mesmos que vi pela última vez, quando espalhados pela estrada depois da nossa casa ter sido vandalizada, pois, não eram esses que me preenchiam, ficavam para os outros meninos, os de lá, que não tinham senão paus e pedras. Talvez, desta forma, tenha nascido uma outra vertente que seria muito importante no percurso de vida que tinha à minha espera, as causas relacionadas com a infância mais desfavorecida. Converter o mau em bom e o bom em excelente.

Continua…




Pedro Ferreira © 2020
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