E de ciclo em ciclo se vai completando a vida.
Acreditava que o anterior, seria longo, pautado por menor agitação, numa espécie de chegada tardia à idade em que ao serão já se pode usufruir do conforto do sofá e do sabor de uma bebida. Porém, têm existido ciclos e ciclos, como se fossem portas que vou passando e deixando entreabertas atrás de mim, para dar lugar a novos corredores cujo comprimento não consigo antever e pelos quais caminho sem poder calcular em qual dos seguintes passos encontrarei a próxima porta. Este corredor, contra as expectativas iniciais, revelou-se de curta distância e aqui estou, mais cedo do que aquilo que imaginava, a passar mais uma dessas portas e a entrar num novo ciclo.
Neste hiato, descobri que a vida sempre decorre, mesmo que a tentemos travar, pois é ela que nos domina e não nós que a dominamos. Vida é sangue a correr nas veias. O sangue tem o seu ritmo, umas vezes mais apressado, outras mais vagaroso, mas é ele que nos conduz.
Nesse pulsar da vida, hoje em dia, neste novo ciclo, apercebo-me do seguinte:
Aquilo que, até então, decorria em excesso de velocidade, agora “sopra” como uma leve brisa, assim como, aquilo que decorria a passo, agora “rodopia” com inquietude, numa clara aproximação ao equilíbrio do tempo;
Aquilo que, até então, era dado como garantido, agora “salpica-se” com nuances de incerteza, assim como, aquilo que se revestia de uma dúvida constante, agora “pinta-se” de uma considerável camada de certeza, numa clara aproximação ao equilíbrio da consciência;
Aquilo que, até então, era tido como um ideal, agora “despe-se” de folhas caducas, assim como, aquilo que era tido como impensável, agora “veste-se” de folhas de esperança, numa clara aproximação ao equilíbrio da compreensão;
Aquilo que, até então, estava assimilado, agora “mergulha” na penumbra do desconhecimento, assim como, aquilo que era desconhecido, agora “descomprime” na ténue luz do amanhecer, numa clara aproximação ao equilíbrio do conhecimento;
Aquilo que, até então, sentia intensamente, agora “polvilha-se” de vagens de incerteza, assim como, aquilo que se revestia de uma dúvida constante, agora “recheia-se” de uma cesta cheia de certezas, numa clara aproximação ao equilíbrio do espaço;
Quantas aproximações ao equilíbrio, mais aqui caberiam…, muitas certamente!
Talvez, tudo isto se resuma a uma simples entrada na fase da vida em que os extremos se tocam para formarem um circulo que se fecha em torno de mim, onde deva permanecer doravante, levando a vida à medida do adquirido, aquilo que sempre me pareceu tanto, mas que se resume somente àquilo a que poderei apelidar de meu.
Restaram-me, portanto, as minhas pessoas, aquelas que ainda se mantêm comigo de “ramos” dados quer nas quedas do outono, quer no arrefecimento do inverno, quer no renascer da primavera, ou no brilho do verão.
As coisas, essas, vão perdendo cada vez mais o seu valor. Enquanto me são úteis nos seus serviços mínimos, ainda me vão fazendo algum sentido, mas tantas outras, já encostadas, quiçá aquelas que outrora tanto desejamos ter, perderam todo o seu sentido e, mais dia menos dia, voltam a ser apenas coisas.
Entro neste novo ciclo numa altura da história da humanidade em que as pessoas estão a preferir as máquinas para conversar e os animais para amar. Fui obrigado a concluir que sou um ser-humano apenas, por isso não granjeio qualquer preferência na sociedade atual, fui preterido porque não nasci máquina nem animal de estimação.
Por estas e outras, no “corredor” que ora termina, voltei a ter aquela arrepiante sensação que vou caminhando cada vez mais desacompanhado. Vão ficando para trás as pessoas para darem lugar ao vazio, mesmo aquelas que noutros “corredores” mais longínquos, preenchiam todo o espaço e ocupavam todo o tempo…, provavelmente, já não correrão para me alcançarem mais adiante. Ficaram definitivamente para trás e de algumas nem o eco voltarei a ouvir.
A vida tem de seguir, nesta constante seleção natural de humanos, em que só quem me ama passará comigo por todas as portas que ainda me possam restar para atravessar.
Pedro Ferreira © 2025
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