sábado, 28 de outubro de 2023

ASSIM TENHO SIDO - Parte 3

A vida em Portugal não estava fácil por essa altura, principalmente para os retornados, logo eu, como refugiado, levava por tabela. Cruéis e ignorantes, como muitos portugueses são, não facilitavam e só faltava apedrejarem-nos, porque insultos era coisa que não faltava, na medida em que receavam que esta massa humana vinda das ex-colónias lhes “roubassem” os rendimentos que de lá enviávamos;

O governo de então, por piedade, lá nos deu dois cobertores que tive de ir levantar numa fila enorme à Câmara Municipal e nada mais que isso! Felizmente a família e os amigos, mais uma vez, marcaram presença num momento de maior dificuldade, caso contrário, muita fome e frio teríamos passado.

E eis que surge uma surpresa…, vida!!! Outra mana que vinha de África na barriga da mãe! Mas, e agora, como vai ser, mais um corpo, por pequenino que seja, somente com dois cobertores? Tudo se arranja! Foi assim que o Pedro aprendeu a fazer arroz de salsichas para todos e a mudar fraldas que depois lavava no tanque de cimento até ficar com as mãos gretadas e o nariz vermelho pela fria aragem de inverno que por aquelas paragens à época se fazia sentir.

Brinquedos, não tinha, e da idealizada cidade de paus e pedras desisti por falta de material de construção…, dediquei-me à caracoleta! Ou seja, fazia corridas com os caracóis grandes lá do quintal da minha avó e melhor diversão não havia…, minto! Lembrei-me agora, por falar na minha avó materna, que fazia anos no mesmo dia que eu, uma matriarca que amo, mesmo que já tenha partido há muitos anos deste mundo, que me proporcionava uma diversão ainda melhor, as famosas "sopas de cavalo cansado", que consistia em algo para comer numa tijela de barro, composto por vinho verde tinto, pão e açúcar…, ui!!! Isso é que era uma diversão, pois a mãe nem poderia imaginar que a avó me tratava tão alegremente!

Como sobraram algumas moedas de Angola, dinheiro em tudo semelhante ao de cá, apenas mudavam as figurinhas (os angolares), o espertalhão do Pedro lá lhes dava alguma utilidade e toca de ir comprar chocolates que custavam 1 escudo na mercearia da frente, aqueles retangulares fininhos com uma prata que tinha um calhambeque estampado..., quem não se recorda? Pois, o dono da mercearia via mal e o negócio ia sendo possível até se começar a estranhar na vizinhança o facto da demasia da mercearia ter um design diferente do habitual…, só poderia ser obra dos “malditos retornados”!

Mas como o meu tio (2º Pai) pedia-me para ir à mesma mercearia buscar meio-quartilho de tinto para o jantar, pago com moedas de verdade, a coisa lá disfarçou. Só não consegui disfarçar a falta de tinto no percurso de volta, não sei porquê, o meu tio parece que media o vinho e dava sempre por falta daquele que entornava pelo caminho, para depois me perguntar porque trazia os lábios pintados de vermelho…, tinto!

Continua…



Pedro Ferreira © 2020
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