A melhor estrada, já por si é um desafio constante à capacidade de superação de obstáculos e de prevenção de contratempos, teimosa no propósito de mostrar a sua abundante riqueza em apertadas curvas e contracurvas e em acentuadas subidas e descidas, surpreendendo a meio do percurso com um tentador convite a enveredar por uma outra cujo irregular estado do piso e a incerteza do bom destino, deixam as pessoas mais aventureiras num estado de ansiedade mesclado por muita curiosidade e algum receio.
Logo nos primeiros metros, aquilo que há segundos atrás seria uma quase certeza, torna-se numa interminável certeza de que a respiração mais profunda somente será possível à chegada, não havendo outra alternativa, porque voltar para trás parece estar fora de questão, o que implicaria uma inversão de marcha sob risco de uma queda abismal que talvez esteja perto da centena de metros, restando a sensatez de seguir em frente na esperança que mais ninguém, naquele momento, se tenha lembrado de fazer o mesmo percurso em sentido contrário, o que implicaria uma manobra arriscada, numa espécie de jogo em que somente passa quem conseguir tirar melhor partido do seu desequilíbrio.
Não é permitido olhar para a esquerda, nem para a direita, porque o perigo é já ali, ao virar da próxima curva, ladeada por altas escarpas repletas de vegetação que a torna cega da vista esquerda e por um profundo precipício que lhe fere a vista direita. Roga-se a Deus que seja já ali o fim daquele sem fim, mas as preces parece que tardam em serem atendidas e a cada nova curva, mais cega ainda que a anterior, a ansiedade aumenta e a ebulição corporal revertida em suor supera, em muito, a suave brisa que vive naquelas alturas.
A qualquer instante irá surgir algo que indique a existência de calmaria e segurança, esse é o pensamento constante, que não se quer que dure nem mais um segundo, tampouco uma eternidade, como um tiro no lado escuro do tempo, pois nunca se sabe se será apenas mais um minuto que nos espera, se sessenta minutos ou muitos mais. Uma real sujeição ao tempo e ao espaço, onde o ser-humano se sente pequeno perante a dimensão e força da natureza, que por mais que a rasgue de alcatrão, os seus domínios serão sempre limitados, restando, como em tantos tristes casos, os atentados, a vingança por via da destruição.
Não é, ainda, felizmente, o caso daquele paraíso, que apesar de nos dificultar a passagem, é bom que assim se mantenha, caso contrário, a facilidade de acessos levaria à presença em massa de humanos e consequente devastação de um património único, aquele que desta forma nos transporta para uma viagem no tempo, algures perdido num cenário semelhante a uma gigantesca árvore que durante séculos deu apenas um fruto, alimentando-se através da absorção os nutrientes transportados pelas límpidas águas do Paiva que passa junto às suas raízes, numa paisagem deslumbrante que, finalmente, depois de uns dez sufocantes minutos de caminho, pode ser devidamente contemplada.
Talvez uma meia-dúzia de casas e é quanto basta, não carece de mais, faz parte do encanto daquele lugar, onde dizem, se banhavam as Ninfas do Paiva. Vestem-se de uma espécie de camuflagem monocromática de proteção contra invasores, apenas descobertas pelos raios de Sol que passam pelas janelas entreabertas da densa vegetação, dourando a sua pele composta por múltiplas pequenas peças de um Lego à escala real.
Apetece ficar, encostar a pele àquela água transparente e fresca e sentir arrepios bons como quem renasce longe de tudo que é mau e perto de tudo que é bom. Ficar até conhecer o efeito da Lua de uma noite de verão sobre a encosta e constatar a passagem do ouro à prata e no dia seguinte, da prata ao ouro, ou até ficar uma semana, somente porque sim. Porém, aquela dicotomia entre o prazer de ficar e usufruir e a necessidade de partir para não estragar, leva-nos até ao fim deste conto e à mesma estrada, única possível, de regresso ao mundo atual, desta feita, superada com outra confiança, porque trazemos de recordação a certeza que por mais longo e difícil que seja o caminho existirá sempre uma Paradinha.
Aldeia da Paradinha
Pedro Ferreira © 2022
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