A 6 de abril, muito poucos serão
os países que já atingiram o pico da pandemia provocada pelo vírus denominado
Covid-19, pressupondo que à presente data estamos somente no seu início. Contudo,
os indicadores de qual o curso que a humanidade irá seguir pós-pandemia já se fazem
sentir, ou seja, nada mudará, tudo se manterá conforme
anteriormente, ou eventualmente, até se agravará.
O isolamento social, numa
primeira fase, fez crer a muitos que estaríamos perante uma incontornável reflexão
sobre o modo de vida que até então levávamos, que consistia na máxima obtenção de bens materiais e financeiros,
assim como em tirar o melhor proveito dos prazeres da vida, os quais, subitamente, pareciam ter
perdido todo o interesse perante tamanha tragédia, numa espécie de lição
de vida aprendida em coletivo, que num futuro próximo levaria a que as pessoas agissem de forma mais humana, pautando seus comportamentos em prol do bem-estar coletivo e em defesa da preservação do ambiente…, talvez um engano!
Ainda a uma longa distância do seu
términos, portanto, que se crê não será antes do final do ano, quiçá com uma
nova vaga já no próximo inverno, constata-se que o raciocínio e comportamentos
do ser-humano, em nada se alterou, apenas se evidenciou no que tem de melhor e de
pior, pois: os que já anteriormente eram bondosos e altruístas, continuam no
terreno, à medida das suas possibilidades dando o melhor de si em benefício do seu semelhante e por aqui nada de novo; por sua vez, todo aquele que já
anteriormente somente em si pensava, aí está, novamente, comodamente instalado
no seu conforto, reclamando de tudo e de todos.
Os profissionais de saúde, na sua
grande parte, dedicados e vestindo com amor uma pesada camisola, algo que se habituaram a fazer em condições que nem sempre foram as ideais, aí estão eles
novamente, na chamada linha da frente, correndo o mais elevado risco, imbuídos
do mesmo espírito, o de salvar vidas, sem olharem a quem, nem a esses parcos meios. Enquanto isso, muitos outros não qualificados nesta área, pelo contrário, desqualificados,
descontraidamente se passeiam pelas ruas, candidatando-se irresponsavelmente a serem os próximos a sobrecarregarem e a dificultarem a tarefa já de si tão penosa dos primeiros,
algo que pós-pandemia jamais será motivo de arrependimento, nem mudança de
atitudes, bem pelo
contrário, muitos destes incautos ainda sairão por aí a fanfarronarem-se que fizeram
tudo que bem lhes apeteceu num período de fortes restrições para todos e que nada lhe aconteceu, numa vanglória de um feito que entendem ser o máximo da irreverência;
Os governantes, que já
anteriormente assentavam as suas políticas prioritariamente com base na economia, relegando para
segundo plano a sustentabilidade da vida humana, aí estão eles, mais convictos
que nunca, que o dinheiro tudo resolve, tentando
desesperadamente não se prejudicar a economia em benefício da vida humana, sujeitos a não conseguirem nem uma coisa, nem outra, numa timidez interventiva
que até dá dó, pautada por medidas a conta-gotas e tardias, tipo lençol curto, que ao
puxar-se para o peito descobre os pés e vice-versa. No fim?! No fim, sairão todos satisfeitos, pois, por mais
erradas e tardias que sejam as medidas ora tomadas, nada disso importará, porque
o povo nessa altura vai querer é festa, usufruir de plena liberdade e de politiquices estarão saturados;
A banca, o grande sorvedouro dos capitais que são fruto do esforço dos trabalhadores, aí está a tentar entrar no jogo,
por um lado dando a entender que está com boas intenções, disponível para cooperar e facilitar a
vida dos mais carenciados, mas por outro a tentarem rentabilizar ao máximo os
seus lucros tirando partido da situação. Mais tarde, bastará acionarem os seus tenazes mecanismos de
cobrança..., de dupla cobrança: juros sobre juros, com umas hipotecas à mistura, que sabem, desde já, que
não vão ser comportáveis pelos devedores; e depois, em virtude disso, alegarão dificuldades em formato cartel para exigirem do governo, injeções de capital a fundo perdido, governo, que, por sua vez, baterá à mesma porta, à dos
contribuintes, num circuito fechado enganoso, falacioso, abusivo e desumano;
As empresas, principalmente as
grandes, que já anteriormente grandes se tornaram à custa da mão de obra
barata, com sentido de oportunidade e numa primeira abordagem à situação, decidem
despedir, exatamente esses trabalhadores, e de forma massiva, para já a seguir beneficiarem do
layoff, sempre com uma única garantia, é que a
administração, e afins serão intocáveis e jamais perderão o seu
estatuto e rendimentos, quiçá até os verão grandemente aumentados por
via das engenharias contabilísticas, é que subsídio aqui, subsídio ali, em
países conhecidos pelos altos índices de corrupção, tudo se consegue, basta um
telefonema à pessoa certa. Finda a crise, depois arranja-se um lugar de boa
rentabilidade e de baixo esforço para o amigalhaço que deu um jeitinho nos
momentos difíceis;
Os agressores, em ambiente
doméstico, cujos crimes já anteriormente eram desvalorizados pelas autoridades e pela justiça, hoje em dia, estão
como peixe dentro de água, e as vítimas num autêntico aquário de reduzidas
dimensões sujeitas a um constante massacre sem grandes possibilidades de
escapatória, que por mais que gritem ou tentem sarar feridas, lá fora as
condições não são favoráveis e dificilmente as ouvem ou podem acudir, pois, se, por um lado, o vírus ataca, por outro os
abraços são proibitivos. Pós-libertação deste período, sairão os agressores da
cena do crime para reintegrarem o ambiente social com o seu habitual ar de vitoriosos, com o ego inflamado, sorrindo ao mundo, passeando um inigualável charme, enquanto as vítimas ficarão para trás, agonizando, com a
agravante de verem o sistema judicial já anteriormente entupido, muito mais entupido ainda pelo crescendo
de casos que, entretanto se verificaram durante o período de isolamento;
Quem é dado a vícios, como o tabaco, que mesmo sabendo de
todos os malefícios que tal causam à sua saúde, tornando-os mais
vulneráveis no atual cenário de potencial contágio, e estando consciente do mal que
à saúde dos que lhe são próximos provoca, assim como, igualmente, conscientes da
poluição que provocam, por esse caminham continuam agarrados às mais absurdas desculpas, armazenando em casa esses
cartuxos de morte como se fossem um bem de primeira
necessidade, tantas vezes em detrimento das necessidades mais elementares dos
próprios filhos. Não deixarão, à posteriori, o vício, pelo contrário, ainda mais o intensificarão, porque, entretanto, a crise económica causa um estado de
nervos ainda maior;
Todos e todas que se davam à traição,
omissão e engano em ambiente familiar ou conjugal, promotores de vidas
completamente promiscuas, agora, mais limitados, porque o controle é mais
apertado e a necessidade impôs-se, logo que sentirem maior liberdade, não só
voltarão ao mesmo, como o intensificarão, com a alegação que o período de isolamento
partilhado revelou incompatibilidades, mas, porque as necessidades e interesses
se redobram, não convém proceder a ruturas, num perverso jogo sujo a roçar a
prostituição;
O desespero pela retoma e recuperação
financeira, por parte de quem já se havia habituado a viver acima do
necessário, será de tal ordem, que, movidos pela avidez da rentabilidade, muitos se
atropelarão num autêntico cenário de selva, desumano, onde o dinheiro será o
único propósito de vida;
Os outrora sem-abrigo, entretanto,
“milagrosamente” alojados – afinal de contas sempre é possível fazê-lo – voltarão a ser
despejados, e na rua encontrarão os novos companheiros emanados da desgraça que
neste momento atravessam, os que caíram por falta de melhor solução;
Os filhos, até então depositados
das 8h da manhã, às 20h nas escolas e ATL’s, que nem sequer podiam respirar,
privados da companhia dos pais, que, por sua vez, em virtude da competitividade económica são obrigados ou obrigam-se a horas extraordinárias, nem que seja para a obtenção de apenas mais
1€ de lucro que a concorrência, ambos se estranhando em coabitação tão assídua, algo que nem sequer sabendo muito bem como lidar uns com os outros, mais adiante, retomarão os seus postos de atividade nos mesmos locais e tudo voltará à anterior rotina, novamente como estranhos que se cruzam ao final do dia dentro de 4 paredes;
Os jovens que, às dezenas,
consumiam drogas nos recantos em torno das escolas, calçando e vestindo boas
marcas – explicação para o financiamento do consumo – agora desesperados, sem alternativa, a entrarem em paranoia e a partirem a casa toda, um dia vão regressar às ruas, é certo, ávidos do produto, e mais uma vez, ninguém viu nada, ou não
quer ver, constituindo estes, grande parte do futuro de todos nós.
A humanidade, neste momento, está
a aprender a sobreviver sem liberdade, mas sem os indivíduos tomarem
consciência de per si da sua quota-parte de responsabilidade no caos, julgam-se, na sua maioria, vítimas e não responsáveis pelo estado a que chegamos, ou seja, quando
recuperarem a sua plena liberdade, como vítimas das circunstâncias se continuarão a sentir,
logo, exigirão de si próprios o gozo da vida e o máximo proveito de tudo e de todos, sem olharem a meios para o obterem, pois, para estes, a vida não será mais "dois dias", mas somente um e há que a viver intensamente e da forma mais prazerosa possível, indiferentes à causa alheia.
Posto isto, nada mudará, apenas
estamos de passagem para mais do mesmo e de hoje para amanhã o egoísmo retomará
o seu lugar como rei e senhor no domínio dos vírus mais letais contraídos pelo
ser-humano.
Pedro Ferreira
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