Vivemos num tempo em que
recorrentemente se diz e até se recomenda ao próximo que aprenda a viver
sozinho com a alegação de ser algo fantástico e muito gratificante, aquilo a
que eu chamaria uma sugestão para uma nova forma de eremitismo, sobre a qual já
tenho falado a espaços, mas que agora me parece mais pertinente que nunca a sua
abordagem, pois é crescente o número de pessoas que adotam essa filosofia de
vida, algo que manifestamente me parece contranatura e que me tem preocupado,
pois receio que de futuro poderão causar problemas socias acrescidos cujas
consequências a esta distância ainda não são fáceis de percecionar, quem sabe
estamos a caminhar para uma sociedade composta por indivíduos fechados em si
mesmo no meio de uma multidão desagrupada?!
São inúmeras as frases proferidas
hoje em dia por quem defende estes conceitos: “ama-te a ti mesmo acima de todos
os outros”; “aprende a ser feliz sozinho”; “a tua melhor companhia és tu
próprio”; “não faças depender a tua felicidade de ninguém, só de ti”; e tantas
outras direcionadas ao culto do individuo por si mesmo.
A páginas tantas sou obrigado a imaginar uma
sociedade em que o individuo só se consegue amar verdadeiramente a si próprio,
e aos demais um pouco menos, e isso parece-me algo narcisista, cuja melhor das
companhias que esse mesmo individuo possa usufruir é novamente o mesmo
individuo, eliminando automaticamente do dicionário a palavra solidão e
alterando o sentido atual de outra, a palavra companhia que atualmente consta
da seguinte forma: “Ato de acompanhar; O que acompanha alguém; Reunião de
pessoas; Grupo de indivíduos que convivem.” Curiosamente o antónimo é
isolamento! Aprender a ser feliz neste hipotético cenário social, também é algo
que me custa aceitar, mas até admito que por opção alguém se encontre mais
feliz – atenção ao “mais” – caso opte por uma vida algo reservada, até
isolando-se num qualquer recanto do mundo mais remoto, usufruindo do fantástico
contacto com a natureza, como foi o caso do poeta Henry
David Thoreau, que nos deixou a sua explicação para tal decisão, dizendo "fui
para a mata porque queria viver deliberadamente, enfrentar apenas os fatos
essenciais da vida e ver se não poderia aprender o que ela tinha a ensinar, em
vez de, vindo a morrer, descobrir que não tinha vivido." Mas é curioso que
não nos fala em busca da felicidade, apenas em conhecimento!
Acima de tudo, talvez também no caso do citado poeta,
estejamos tão-somente perante uma necessidade de compensação da frustração
causada pela dificuldade de se viver feliz na companhia de outros,
essencialmente num modelo familiar. É curioso constatar que é numa fase em que
os divórcios dispararam exponencialmente, que se começam a ouvir falar cada vez
mais nestes modelos de vida alternativos, sendo as pessoas conduzidas por essa
frustração, creio, a uma abordagem assente em teorias orientais praticadas por
eremitas, que convidam à introspeção e auto análise sempre em ambiente de retiro,
longe do ruído dos centros mais movimentados.
Como momento, acredito e sei por experiência própria,
sem nunca ter adotado para mim qualquer crença religiosa, que de facto são
momentos muito compensadores e relaxantes, que fazem parte da vida, sem dúvida
e até recomendo a espaços que qualquer pessoa o faça. Contudo, fazer disso um
modo de vida constante, parece-me acima de tudo uma posição extrema de egoísmo,
onde o viver para si mesmo, longe do calor humano é algo, que retira o
propósito da vida.
Claro está que o novo eremita não se isola a esse
ponto, é apenas uma filosofia de vida muito assente na teórica, um quase
lirismo porque soa bem dizer que “a nossa melhor companhia somos nós próprios”,
mesmo que isso não exista. Percebo-os, e sei a mensagem que querem transmitir,
mas pode tornar-se num discurso perigoso, pois por este andar, com tantas
pessoas a recolherem-se em si mesmas, vamos ver se brevemente ainda haverá
espaço para que os serviços de saúde consigam abarcar uma nova vaga de pessoas
deprimidas somada à enorme massa humana que já assim se encontra atualmente?!
É que isto de viver do eu para o eu pode ser um
escape, mas no sentido contrário da solução, quiçá do abismo, pois a vida de afetos
carece da frequente vida partilhada com outros semelhantes, afinal de contas o
sentido da própria vida, caso contrário seriamos só mais uma espécie que se
recolhe na sua “casota” e que só vem á rua atender às suas necessidades básicas.
O ser-humano é muito mais que corpo, é mente sim, mas entre os dois circulam os
sentires, dependentes de todos os sentidos com que somos dotados, para ao nosso
semelhante e meio envolvente nos interligarmos, como animais gregários que
somos, a não ser que se preconize um individuo que de manhã se olhe ao espelho
e se veja com exclusiva admiração, que ao vestir se acaricie como sendo o mais
afetuoso dos seres, se cheire e encontre em si a pura essência, discurse para
si próprio enquanto deambula pela sua “casota” tornando-se o único ouvinte dos
seus próprios pensamentos.
Mas o mais difícil de aceitar, sempre no meu ponto de
vista, neste tipo de filosofia de vida é que existe da parte de quase todos os
seus precursores a constante intenção de se enamorarem e até para alguns
constituírem família, algo que não consigo vislumbrar como possível, ou será
que a proposta passa definitivamente por um modelo inter-relacional, de família
por exemplo, de um espaço habitacional para cada um dos membros que assim
conseguirão manter a mesma linha filosófica e em simultâneo promoverem uns
encontros na rua ou em espaços de alojamento pagos para que se possam encontrar
e manterem também a vertente familiar, não bulindo deste modo com o seu tão
desejado reduto?!
Tenho, de facto, muita dificuldade em
entender o que realmente pretendem com isto, e declino toda e qualquer sugestão
nesse sentido, prefiro definitivamente encontrar o meu bem-estar, e felicidade
possível, no seio do tradicional ambiente familiar e social, onde as pessoas se
tocam, se cheiram, se falam, se ouvem e trocam olhares a todo o instante,
produzindo calor humano, cimentando sentimentos e crescendo em afetos, e acima
de tudo não esquecendo que “determina-se o verdadeiro valor dum homem, observando,
em primeiro lugar, até que ponto e em que sentido conseguiu libertar-se do seu
Eu”, conforme dizia Albert
Einstein.
Pedro Ferreira © 2017 (Todos os Direitos Reservados, Registo de Obra n.º 2629/2017)
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